Texto lido na Plenária Final do X ENUDS - Encontro Nacional Universitário de Diversidade Sexual, durante ato de homenagem ao co-fundador do ENUDS Lucas Fortuna.
Encontro Nacional Universitário
de ou sobre Diversidade Sexual? Sim, foi esta uma das principais polêmicas entre
mim e Lucas Fortuna durante vários ENUDS. Mas não foi este o primeiro contato
que tive com ele. Entre diversos outros
militantes LGBT do movimento estudantil, estava Lucas Fortuna compondo conosco
os primeiros alicerces do ENUDS no ATO CONUNE em 2003. E voltamos a nos
encontrar no 2º ENUDS em Recife, marcando sua participação efetiva no Encontro.
Desde então, passou a defender Goiânia como sede. Foram duas tentativas (ENUDS
Recife e ENUDS Niterói) que não logrou sucesso, mas nem por isso deixou de
legitimar esse espaço e de insistir nesse posicionamento. Em 2006, a plenária
final em Vitória/Espírito Santo aprovou Goiânia como sede do 5º Encontro. 2007
foi sua última participação no ENUDS.
E
ainda agora não consigo me dar conta de que não poderei rever nem
Lucas-família, nem Lucas-militante, pois ambos nos foram roubados pela
homofobia. Uma homofobia anônima, sem rosto e sem réu que deixou seu corpo,
seminu, ensanguentado com marcas de espancamento na praia de Cabo de Santo
Agostinho próxima a cidade de Recife em Pernambuco. Esta violência evidencia
duas coisas: a violação recorrente da Declaração Universal dos Direitos Humanos
em preservação à vida, fazendo com que seres inescrupulosos entendem-se no
direito de tirar a vida de alguém que nos é tão caro e a omissão criminosa dos
Poderes Legislativo e Executivo do Estado brasileiro, os quais se calam ano
após ano diante das mortes de pessoas LGBT, preferindo encarar como dados
estatísticos desumanizados. Não, a morte de Lucas não nos é apenas um número,
não faz parte de uma estatística quimérica. Essa morte é uma dor violenta
cravada no peito de seus familiares, amigos e de nós, enudian@s que aprendemos
a conhecer e reconhecer em Lucas uma parte importante de nossa história.
Poderia
denunciar esse assassinato pelo viés político dos Direitos Humanos,
evidenciando a falta de políticas que combatam substancialmente este e muitos
outros assassinatos de Travestis, Transexuais, Lésbicas ou Gays, contra o qual
tanto o Lucas militante lutou. Poderia problematizar pelo viés dos discursos
performativos de líderes cristãos que pregam a intolerância em nome de um deus
intolerante e cujas mãos e almas estão mergulhadas de sangue, pois o ódio
discursivo mascarado de juízo religioso tem motivado tantos assassinos anônimos
a deitarem por terra vidas carregadas de sonhos e de esperança, povoada de história e de pessoas que lhes
ensinaram de diversas formas o sentido do amor. Contudo, se o fizesse, apagaria
o que mais me afeta nesse momento: a dor da perda traduzida em sentido de
ausência.
Sinto
a ausência de alguém que me foi tão caro pelo modo tão particular com quem
construímos este ENUDS. Durante o 2º ENUDS, fosse apresentando trabalho de seus
estudos na área da Comunicação, ou polemizando nas mesas as concepções que lhe
eram caras, ou fervendo pelos corredores da UFPE ou nas culturais onde éramos
um grupo de não mais que cem pessoas, ou ainda na Plenária Final, inaugurando
para nós um novo modo de se fazer destaque nas proposta: era a leitura terminar
que ouvíamos divertidamente a voz de Lucas gritar: TAC e logo virando um coro
divertido e ritualístico para aquela e outras plenárias que a sucederam. No 3º
ENUDS, durante o processo de sua construção, ainda posso ler os inúmeros e-mails
de Lucas questionador sobre o modo de organização da CO na Universidade Federal
Fluminense em Niterói. No encontro, tencionarmos bilateralmente posições que
nos eram caras e que fizeram de ambos duas posições diferentes do ENUDS.
Durante o 4º, na Universidade Federal de Espírito Santo, em Vitória, embora os
resquícios das tensões passadas permaneciam, conversamos por horas sobre a
possibilidade do Colcha de Retalho sediar o 5º ENUDS na Universidade Federal de
Goiânia. E lá, pela última vez que nos encontramos nesse espaço, na semana
anterior do Encontro, Lucas prontificou-se em me buscar no Aeroporto de Goiânia
e hospedar-me em sua casa por alguns dias.
A
política, embora racionalista, não se faz sem sentimentos e certamente, havia
sentimentos ambíguos entre mim e Lucas. O militante que às vezes refutava e
questionava meus posicionamentos sobre esse Encontro foi o ser humano que eu pude
conhecer para além das plenárias. Foi com ele que conheci e aprendi a gostar de
Edith Piaf. Tomando café em sua casa, pudemos discutir seus projetos de um
futuro mestrado na área de comunicação. À noite, no bar, pude conhecer muito da
vida íntima familiar e pessoal. Como o prenúncio de ausência, Lucas fez
daqueles dias uma apresentação do militante que sempre se dispôs ao embate e
debate comigo na construção do ENUDS. E
nenhuma lembrança poderá ser tão forte, tão viva e tão marcante do que aqueles
dias. Após, não houve mais debate entre nós dois, nem sequer na última plenária
que participamos juntos em Goiânia. Embora os ENUDS seguintes aconteceram sem a
presença de Lucas Fortuna, ele nunca deixou de nos ser tão presente nesses
Encontros. Se o Encontro Nacional Universitário até hoje não se definiu ser de,
sobre ou para a Diversidade Sexual, devemos ao Lucas essa indefinição.
Bem
certo que por essas histórias e outras que se hão de contar, a vida de Lucas
Fortuna não passou à toa e por isso a dor da perda é comungada nacionalmente.
Por isso sofremos: sofremos o sentido da ausência tão presente aqui nesse
encontro e nunca, talvez nunca, ele me foi tão presente como o é agora. É
difícil explicar esse sofrimento estúpido mergulhado em lágrimas, sofrimento de
pessoas que o conheceram, muitas anônimas de nós, mas que se comunicam sem
gesto, sem palavras. Mesmo assim, o
sentido da ausência invade-nos e nos aproxima, mesmo que não percebamos, apenas
sem saber compartilhamos essa dor e nos calamos sem qualquer orgulho.
Esse
sentido de ausência alegoriza o particular na morte de Lucas: como se entre as
muitas mortes de LGBT esta fosse a pior. Sim, a pior para nós que perdemos e
que teremos de aprender a conviver com essa perda. Mas as outras,
desconhecidas, são números frios de estatísticas recolhidas em notícias de
jornais. Não! Me nego a reduzir essas mortes a números. Não! Não são 260 por
ano que morrem. Me nego a essa estatística fria e desumana que a tudo reduz em
números. São milhares de milhares que morrem nessas mortes. Esse corpo
espancado carrega vilas, cidades, estados e até país que morrem com ele.
Morremos com ele. Essa alegoria do particular necessariamente nos coloca diante
da particularidade da alegoria que nenhuma Matemática, em toda sua exatidão,
poderá alcançar. Se nossa cultura tivesse humanidade suficiente para perceber
que a cada morte cidades inteiras são destruídas, entenderíamos o sentido do
humano e bastaria a ameaça de uma vida para romper a inércia política do
Legislativo e Executivo. Mas estes, em suas estúpidas burocracias preferem os
números como meio de gerenciar a miséria.
Sou
incapaz de entender qualquer cosmogonia que me dê algum sentido do futuro. Sou
incapaz de entender o futuro, mas caso haja algum, fico então, para terminar,
com a cosmogonia de Milton Nascimento: seja
o que quiser, venha o que vier, qualquer dia amigo eu volto a te encontrar,
qualquer dia amigo a gente vai se encontrar.
que saia da gaveta imediatamente, e com a pressão de nossa mobilização , que se aprove o plc 122 abrangente , junto com a criminalização severa da homofobia no novo codigo penal. a pesquisa do senado mostra que o povo ê favoravel. vamos grtar mais alto para que os insensiveis do Congresso e a surda Dilma obedecam nossa voz
ResponderExcluirMuito tocante; como só um texto produzido em meio a dor e ao inconformismo poderia sê-lo.
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