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quarta-feira, 16 de outubro de 2013

LEGALIZAÇÃO DA INTOLERÂNCIA RELIGIOSA?



        












"E nada defende melhor os seres vivos contra a estupidez dos preconceitos, do racismo, da xenofobia, das obtusidades localistas do sectarismo religioso ou político, ou dos nacionalismos discriminatórios, do que a comprovação constante que sempre aparece na grande literatura: a igualdade essencial de homens e mulheres em todas as latitudes e a injustiça representada pelo estabelecimento entre eles de formas de discriminação, sujeição ou exploração".
Mario Vargas Llosa

             No dia de hoje (16/10), foi aprovado na famigerada Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara Federal o Projeto de Lei 1411/2011 de autoria do Deputado Washington Reis PMDB/RJ que altera a lei 7716/1989, cujo conteúdo define os crimes resultantes de raça ou de cor[1]. Segundo a proposição desse projeto de lei, o artigo 20 não se aplicaria às organizações religiosas, desde que qualquer ato considerado discriminatório seja praticado de acordo com valores, doutrinas, crenças e liturgias dessas organizações. E o que diz o artigo 20 da lei 7716/1989? Afirma ser crime praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional, especificando nos parágrafos 1 e 2: (§ 1º)  fabricar, comercializar, distribuir ou veicular símbolos, emblemas, ornamentos, distintivos ou propaganda que utilizem a cruz suástica ou gamada, para fins de divulgação do nazismo. (§ 2º) Se qualquer dos crimes previstos no caput é cometido por intermédio dos meios de comunicação social ou publicação de qualquer natureza.[2]
            

            O parecer favorável ao PL na Comissão foi feito pelo Deputado Jair Bolsonaro PP/RJ. Embora o projeto de lei não se refira aos "homossexuais" em específico, o parecerista apresenta um dos principais motivos para que a lei seja aprovada. Diz ele:

Assinala o autor do projeto que o princípio da liberdade de consciência e de crença, proclamado no inciso VI, do art. 5º, da Constituição Federal, constitui cláusula pétrea.
Assim, merece atenção o fato da prática homossexual ser descrita em muitas doutrinas religiosas como uma conduta em desacordo com suas crenças.
Argumenta o autor que o direito das minorias e a legítima promoção do combate de toda e qualquer forma de discriminação deve ser feito sem infringir outros direitos e garantias constitucionais e sem prejudicar princípios igualmente constitucionais.[3]

            Primeiro, há que se considerar a perseguição declarada à população LGBT no discurso intolerante desse deputado, à medida em que esse projeto pretende salvaguardar as organizações religiosas, caso o PLC 122 seja aprovado. Visto que a lei 7716/89 ainda restringe-se à prática de intolerância por motivo de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional, ela não se refere ainda à intolerância por orientação sexual e identidade de gênero. Como era de se esperar, a Comissão nas mãos do PSC tem funcionado para propor ações que, direta ou indiretamente, legitimem os discursos de ódio contra a população LGBT. Como militante LGBT e cristão, sei que, dificilmente, LGBT se interessarão a buscar benção nesses templos que disseminam ódio e intolerância contra nossa população.
            Segundo, a gravidade não está apenas nisso (embora, o projeto permite que LGBT possam ser expulsos desses locais sem configurar discriminação), mas no fato de que o artigo 20, além de punir qualquer espaço, pessoa ou entidade que discrimine pessoas por motivo de raça, cor, etnia,  religião ou procedência nacional, também pune qualquer crime cometido por intermédio dos meios de comunicação social ou publicação de qualquer natureza, bem como proíbe a fabricação, comercialização, distribuição ou veiculação de símbolos, emblemas, ornamentos, distintivos ou propaganda que utilizem a cruz suástica ou gamada, para fins de divulgação do nazismo.
            Caso esse PL seja aprovado, significará o retrocesso contra o combate aos crimes de ódio, visto que organizações religiosas, ou as que assim se definirem, terão salva conduta para disseminar discursos de intolerância. Pela lei em vigor, qualquer religioso que fizer discurso de ódio atacando a população negra conforme faziam na época do Brasil colônia, ou atacando religiões de matrizes afro, religião judaica ou qualquer outra religião, poderá ser enquadrado criminalmente. Se esse PL, tramitando agora na CCJ, for aprovado no Plenário e sancionado pela Presidenta, qualquer organização religiosa poderá reavivar o discurso utilizado na Idade Média como forma de justificar a escravidão dos povos africanos, ao afirmar ser a África um continente amaldiçoado, com base na história de Noé e da maldição de seu filho Cã.  Poderá também fabricar, comercializar, distribuir ou veicular materiais ou propaganda com a cruz suástica, divulgando o nazismo. Também, terão total liberdade para fazê-lo por intermédio dos meios de comunicação social.
            Esses deputados da bancada religiosa comumente acusam o movimento LGBT de buscar privilégios e ameaçar a suposta "liberdade de expressão" desse cristianismo intolerante. Este PL deixa evidente quem de fato são os interessados em buscar fórum privilegiado, bem como ameaçar a liberdade de expressão das pessoas que não comungam da mesma crença que eles. Neste sentido, derrotados com arquivamento do absurdo projeto de lei do Deputado João Campos PSDB/GO, esta bancada da intolerância ressurge com um novo golpe à sociedade. Agora, o alvo não é apenas a população LGBT, é também a população negra, população cigana, a comunidade judaica, população indígena, as mulheres e todos os grupos que historicamente foram alvos da tirania e do ódio desses que vivem em função do nome de Deus. A PL 1411/2011 desse Deputado do PMDB/RJ é um ataque violento aos Direitos Humanos, ao Estado Democrático e, portanto, lutar contra deve tornar-se mais uma bandeira dos movimentos sociais.

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