Páginas

segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

GLOBO, BEIJO GAY E A MORAL HIPÓCRITA DO POLITICAMENTE CORRETO

Sinceramente, pouco me importa o que acontece nas novelas da Globo. Não tenho televisão em casa e, mesmo se tivesse, não daria ibope para novelas tão preconceituosas e machistas. Já observaram como os diretores novelistas apelam para as brigas verbais e físicas entre mulheres disputando o macho alfa? Ou como a pobreza é representada nessas novelas? Sem dizer os diálogos imbecis, os abusos do maniqueísmo sem fundamento e muitas outras porcarias com o único objetivo: nivelar por baixo a cultura da grande população e, com isso, atrair altos investimentos em propagandas dos abutres do capital.
Os diretores novelistas não arriscam mais em enredos criativos, problematizadores, em personagens complexas ou diálogos e cenas que convidem o telespectador à reflexão. É sempre o mais do mesmo: a pobreza cultural se tornou algo rentável para essa televisão globalizada e serve de modelo para outros canais que buscam uma única coisa: o prestígio midiático momentâneo. E, nessa busca, insultam a cultura brasileira.
Contudo, após ler um artigo de Walcyr Carrasco que se deu ao trabalho de defender o “ator” Marcelo Serrado sobre seu polêmico comentário a respeito do beijo gay, resolvi manifestar-me sobre a polêmica, apesar de não assistir tal novela. Segundo o diretor, seu amigo alegou ter sido alvo de uma má compreensão a respeito do que disse. Em sua resposta, Marcelo Serrado parece querer acender uma vela a Deus e ao Diabo: na mesma toada que diz ser a favor da União Civil entre pessoas do mesmo sexo, afirma também que não quer expor sua filha de 7 anos à cena de um beijo gay. O pior é querer mostrar-se liberal, dizendo que tem amigos gays. Agora viramos escudos para conservadores que querem posar de liberais.
As crianças não podem ser expostas a uma troca de carícia gay, mas podem aprender desde cedo que homem se disputa no tapa ou então que as mulheres, por mais amigas que sejam, são e sempre serão eternas rivais. Elas podem aprender a cultura facista de que a sociedade se divide entre pessoas boas (só boas) e pessoas más (só más) e que estas devem pagar suas maldades com a morte. A isso elas podem ser expostas. Pior ainda: ver cenas de supostos estupros em programas de televisão e depois ver a suposta vítima negar a possibilidade de ter sido violentada sexualmente. Com isso, aprender desde cedo, que em nome de uma moral hipócrita, a menina tem de ficar calada e não denunciar, caso seja vítima do machismo.
Não acredito que Marcelo Serrado tenha dito ser contra o beijo gay, afinal de contas, como ele mesmo disse a seu amigo Walcyr, ele é liberal e até tem amigos gays. O liberal ama o politicamente correto, ama a máscara e a farsa da humanidade e por isso, esse “ator” jamais seria contra o beijo gay, desde que sua filha de 7 anos – exposta cotidianamente ao machismo, a violência social, ao ódio e à hipocrisia – não seja exposta a esse beijo para não prejudicar sua formação burguesa politicamente correta.
O mais absurdo é o apelo do diretor Walcyr Carrasco ao dizer que há um erro de enfoque na crítica. Segundo ele, há uma tendência em querer impor valores de cima para baixo, isto é, a população brasileira nunca viu um beijo gay; se bobear, nem sabe o que tal palavra significa. Logo, gays, lésbicas, bissexuais, travestis e transexuais, segundo o diretor, precisam se expor mais em bares, clubes, ruas, e trocarem afetos para que a população se acostume. Pergunto: em que planeta este homem vive? Não! Não precisam me responder, pois a resposta se anuncia na fala dele: é o planeta burguês do politicamente correto e da moral hipócrita. Certamente, os ambientes em que Carrasco e Serrado circulam devam ser aqueles em que gays são apenas bibelôs discursivos. Afinal de contas – posso deduzir da fala deles – seus amigos gays jamais trocariam afetos em público para não prejudicarem a boa formação de crianças burguesas. Provavelmente, eles devam freqüentar aqueles lugares global e moralmente hipócrita.
Mediante a isso tudo, faço duas sugestões: a primeira, a Walcyr Carrasco – que tal você freqüentar um pouco a Avenida Paulista, onde gays, por trocarem carícias – às vezes nem isso – tornam-se vítimas do ódio homofóbico? Que tal ligar a televisão ou ler jornais para descobrir que até heterossexuais, por trocarem abraços em públicos, são agredidos fisicamente? Ou então, participar de paradas e atos do movimento LGBT e descobrir que a ordem heteronormativa está em questionamento debaixo para cima? Só você e a Globo que ainda não descobriram isso.
A segunda sugestão é para telespectadores que acham educativo e defendam que gays, como já acontecem com heterossexuais, possam contracenar beijos carinhosos em novelas globais: definitivamente, é uma perda de tempo essa reivindicação, pois a Globo não tem nenhum compromisso social e, por isso, nivela seus programas por baixo em busca de maior audiência. Ao invés disso, porque não passemos a boicotar essas novelas, principalmente aquelas em que diretores e atores fazem comentários desagradáveis sobre nós? Ou, então, boicotar os produtos propagados nos intervalos dessas novelas. Talvez assim eles comecem a entender que a realidade e, mais especificamente a cultura, não deve ser ditada pelo capital financeiro.

2 comentários:

  1. Instigante esse tema.
    O questionamento comportamental tambem deve ser preocupante para os gays. O Dário me fez lembrar uma pergunta feita por uma educadora, Tereza de Nidelcoff, no seu livro "Uma Escola Para o Povo": "O que somos e o que queremos ser na sociedade atual?". O Ney Matogrosso, no final da sua entrevista com Marilia Gabriela, disse que 4 milhoes de pessoas poderiam definir um Presidente, referindo-se ao "poder de voto" dos gays. Portanto, o que podemos ser na sociedade? Como queremos ser retratados? Como lutar pelos nossos direitos de cidadão?
    Parabenizo o Dario pela coragem, clareza e lucidez.

    ResponderExcluir