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sábado, 25 de maio de 2013

DRAG QUEENS E A INTOLERÂNCIA RELIGIOSA



Mateus 21, 31














            Esta semana fui bombardeado com uma notícia que me chocou e entristeceu profundamente: minha amiga Drag Queen Tchaka (a da foto) foi com um amigo nosso em comum, o Bill Santos, prestigiar a inauguração da Igreja Contemporânea que recentemente abriu uma filial no Tatuapé São Paulo. Conforme o relato que recebi dela (https://www.facebook.com/dario.neto.585/posts/567642563258480?comment_id=6309617&offset=0&total_comments=6&notif_t=share_comment), sua presença, naquela comunidade supostamente inclusiva, causou incômodo, sobretudo, à sua liderança. Segundo a artista paulistana, ao chegar montada na Comunidade, foi recebida com olhares e pouca intimidade pelos presentes. Ao conversar com o assessor de imprensa da "igreja", Bill ouviu dele que a presença dela era agressiva e o que uma mãe pensaria, vendo uma foto de uma drag queen no site da igreja. Algumas semanas depois, o líder dessa comunidade, Marcos Gladstone, encaminhou uma solicitação à nossa amiga para que fosse desmarcado das fotos de divulgação, de modo que não tivesse a imagem da igreja Contemporânea vinculada a uma drag queen.
           
Inconformados, os dois ligaram para ele com intuito de explicar o mal entendido e receberam a seguinte afirmação:

"somos uma igreja conservadora, não aceitamos membros vestidos de forma deselegante nos cultos, isso macula a imagem perante a imprensa e sociedade, travestis devem vir todas bem vestidas e quando digo bem vestidas estou afirmando que a saia deve ser cumprida, pouca maquiada e ser discreta, lésbicas devem se conter nos impulsos e as drag queens não são aceitas e jamais cantaram no púlpito".

            Diante do discurso moralista, misógino (lésbicas devem se conter nos impulsos?), típico de um gay classista, duas coisas me levam a escrever esse texto:

            A primeira é me solidarizar com minha amiga Drag Tchaka por quem tenho profundo respeito e admiração. A figura das drag queen, oriundas do teatro elisabetano, tem significativa importância para a cultura LGBT do Brasil e do mundo. Além da beleza estética, a teatralidade e a performance de muitas delas nos palcos de boates ou em qualquer lugar próximo de nós tem a delicadeza de fazer das nossas dores, nossos medos, nossa solidão, motivo de riso, aliviando-nos, mesmo que por um momento, da dolorosa realidade intolerante e violenta de nosso dia a dia. Não quero com isso, idealizar este arquétipo de nossos guetos, mas ressaltar os aspectos positivos que animam e nos vivificam, devolvendo a nós a paixão pela vida. No caso específico de nossa amiga Drag Tchaka, cuja performance marcou esses últimos tempos nos diversos atos contra Marco Feliciano, não se trata apenas de uma performance teatral - ainda que fosse - mas faz desta arte um uso político para que direitos sejam garantidos, inclusive o direito de existir a Igreja Contemporânea.
            A segunda coisa refere-se a esse uso indiscriminado da palavra inclusiva por essa comunidade e algumas outras que compactuam de uma visão limitada da fé cristã. A inclusividade dessas igrejas é tal qual a das tradicionais: servem apenas para caber eles e aqueles por quem eles tem interesse. A teologia inclusiva originou-se em 1968, quando o Reverendo Troy Perry, cansado do moralismo hipócrita de sua comunidade cristã de origem, resolveu assumir sua homossexualidade e, juntamente com outras pessoas, fundou em Los Angeles a primeira igreja Metropolitan Community Church. De lá para cá, inúmeras comunidades, em diferentes continentes surgiram para que pessoas como Tchaka pudessem exercer o seu direito à fé sem sofrer qualquer tipo de discriminação. Diga-se de passagem que essas personagens performáticas, em muitas dessas comunidades, ocupam, inclusive, lugares de destaques em seus eventos festivos e cultos. Não temos medo do diferente, pelo contrário, para as Igrejas da Comunidade Metropolitana é na diferença que Deus se manifesta. Em São Paulo, temos a Igreja da Comunidade Metropolitana, da qual faço parte, localizada na Rua Sebastião Pereira, 231, Santa Cecília, próximo ao metrô Santa Cecília. Qualquer pessoa pode ir em qualquer culto de domingo e verá que o momento de aviso e comunicação das atividades do culto é feito pela nossa querida drag queen Valdirene.com. Nossa querida irmã Valdirene não macula a imagem da ICM de São Paulo, pelo contrário, ela nos enriquece. Quanta honra teríamos, se tivéssemos um coral de drag queen para enriquecer nossos ritos litúrgicos. A questão é: a quem interessa esse medo higienista da igreja Contemporânea?
            Falo, não como membro da ICM, nem como porta voz da comunidade, mas como militante indignado por ver que pessoas por quem luto cotidianamente, no afã de ser aceito por aqueles que excluem, operam a mesma lógica da exclusão. Iludidos com esse podre sistema capitalista, esses que, outrora julgados pelo moralismo burguês hipócrita desse cristianismo comercial, uma vez libertos querem operar a mesma lógica, recosturando o véu que Jesus rasgou na cruz. Em outras palavras, eles agem como escravos alforriados que, uma vez livres, compram outros escravos para se sentirem senhores.
            É o engano do oprimido que vê na máquina da opressão o único meio de ganhar a sua liberdade. Por isso, precisam ser desmascarados. O cristianismo que eles divulgam é o mesmo cristianismo que opera a máquina estatal contra os direitos da população LGBT. É o cristianismo no qual nem eles mesmo cabem, mas como ainda não percebem os grilhões que os aprisionam e os puxam para baixo, repetem a mesma dança do fanatismo repudiado por Cristo no tempo do Império Romano. Os Sacerdotes e Fariseus respondiam à opressão que o povo judeu sofria com o poder do Império Romano da pior forma possível: na tentativa de buscar legitimidade aos olhos do Imperador, condenavam e excluíam todas as pessoas que supunham não ser aceitas pelos cidadãos romanos, quando, na realidade, o povo romano desprezava qualquer um que não fosse da elite romana. Ilusão do Oprimido contra o qual Cristo combateu: achar que se tomar um banho, fazer o cabelo, a unha, comprar roupa de marca a largas prestações e frequentar os mesmos ambientes que seus opressores, garantirá a sua liberdade individual e, ao fazer isso, o faz eliminando, excluindo, apagando, aniquilando qualquer um que lembre quem de fato eles são.
            Não, o evangelho de Cristo não é isso: o evangelho de Cristo dá prioridade aos marginalizados. O evangelho de Cristo inverte a lógica hierárquica, implodindo-a completamente. O evangelho de Cristo é sintetizado poeticamente por Rosa Luxemburgo quando disse que lutamos por uma mundo onde sejamos socialmente iguais, humanamente diferentes e totalmente livres. A Igreja de fato inclusiva é a Igreja que luta pelos Direitos Humanos e que entende que não seremos livres enquanto uma pessoa permanecer escrava. O que não for isso, não passa de proselitismo religioso que faz da fé comércio para sua própria sobrevivência, igualando-se a Marcos Pereira, Silas Malafaia e Marco Feliciano.
            Por fim, para todas as Drag Queens que quiserem celebrar a sua fé em uma comunidade Cristã sem se sentirem discriminadas por ninguém, dou a dica: coloquem a peruca mais fechativa, o salto maior que tiver, a roupa mais colorida, seus maiores cílios, a melhor maquiagem e procurem uma das Igrejas da Comunidade Metropolitana, pois certamente, fará da vida das pessoas que lá encontrarem uma vida mais abençoada e feliz.
            Drag Tchaka, minha amiga, a Igreja da Comunidade Metropolitana de São Paulo está com as portas abertas para te receber, pois temos certeza de que você já é benção em nossas vidas.

7 comentários:

  1. Geente, matéria babadeira! Aquende e arrase sempre!

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  2. Obrigado, Dário! Muito obrigado pelo texto, pelo esclarecimento e por deixar que todos os que aqui lerão seu texto saibam o que é, de fato, uma Igreja Inclusiva!

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  3. Me sinto tão feliz em ler palavras tão doces e encorajadoras .
    Sou assim metade curiosa e outra metade quero descobrir.
    Jesus é sem dúvida nenhuma o Melhor de tudo em minha vida.
    Homens podem tentar me travar com suas limitações, suas doutrinas e fardos.
    O Cristo que acredito é livre, sapeca, do bem, doido varrido, alegre, corajoso, festivo, justo, manso e completamente apaixonado por mim exatamente assim como sou.
    Igreja da Comunidade Metropolitana de São Paulo na pessoa do sábio Dario Neto e claro do Reverendo Cristiano e todos os irmãos e irmãs que me mandaram texto lindos em solidariedade de coração obrigada.
    Me coloca nas orações de vcs, preciso muito pois tenho uma carga pesada em levar alegria à esse mundo chato, sem cor e hipócrita.
    Hoje me sinto melhor em saber que não estou sozinha, Jesus, meu maridão Carlos Alberto, vcs meus amigos pronto a felicidade está completa.
    Muito obrigada.
    Tchaka Drag Queen
    Valder Bastos
    Criador e criatura

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  4. Chegar a ser inacreditável que algo desse tipo ainda aconteça. Quando será que essas pessoas entenderão o significado de "inclusão"...Tchaka é um exemplo de pessoa e de engajamento político...
    Parabéns Dário pelo excelente texto e pelo exemplo do que significa amor em Cristo, coisas que essas igrejolas precisam aprender...

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  5. Ótimo texto Dário ;) Bom para refletirmos o exercício do poder em todos e em todas relações. Abraço

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  6. EU DRAG VALDIRENE.COM AMO A TODOS E TODAS SEM DISTINÇÃO. UM ABRAÇO.. FAZEMOS A DIFERENÇA.

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  7. ADORO OS TEXTOS DO MESTRE DÁRIO NETO.. UMA PESSOA DEDICADA A MILITÂNCIA GLBT.. AQUI QUEM FALOU DRAG VALDIRENE.COM . MEMBRA DA IGREJA DA COMUNIDADE METROPOLITANA DE SÃO PAULO. BOM DIA BRASIL.

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