Mateus 21, 31


Esta semana fui bombardeado com uma notícia que me chocou e entristeceu profundamente: minha amiga Drag Queen Tchaka (a da foto) foi com um amigo nosso em comum, o Bill Santos, prestigiar a inauguração da Igreja Contemporânea que recentemente abriu uma filial no Tatuapé São Paulo. Conforme o relato que recebi dela (https://www.facebook.com/dario.neto.585/posts/567642563258480?comment_id=6309617&offset=0&total_comments=6¬if_t=share_comment), sua presença, naquela comunidade supostamente inclusiva, causou incômodo, sobretudo, à sua liderança. Segundo a artista paulistana, ao chegar montada na Comunidade, foi recebida com olhares e pouca intimidade pelos presentes. Ao conversar com o assessor de imprensa da "igreja", Bill ouviu dele que a presença dela era agressiva e o que uma mãe pensaria, vendo uma foto de uma drag queen no site da igreja. Algumas semanas depois, o líder dessa comunidade, Marcos Gladstone, encaminhou uma solicitação à nossa amiga para que fosse desmarcado das fotos de divulgação, de modo que não tivesse a imagem da igreja Contemporânea vinculada a uma drag queen.
"somos
uma igreja conservadora, não aceitamos membros vestidos de forma deselegante
nos cultos, isso macula a imagem perante a imprensa e sociedade, travestis
devem vir todas bem vestidas e quando digo bem vestidas estou afirmando que a
saia deve ser cumprida, pouca maquiada e ser discreta, lésbicas devem se conter
nos impulsos e as drag queens não são aceitas e jamais cantaram no
púlpito".
Diante do discurso moralista, misógino
(lésbicas devem se conter nos impulsos?), típico de um gay classista, duas
coisas me levam a escrever esse texto:
A primeira é me solidarizar com
minha amiga Drag Tchaka por quem tenho profundo respeito e admiração. A figura
das drag queen, oriundas do teatro elisabetano, tem significativa
importância para a cultura LGBT do Brasil e do mundo. Além da beleza estética,
a teatralidade e a performance de muitas delas nos palcos de boates ou em
qualquer lugar próximo de nós tem a delicadeza de fazer das nossas dores,
nossos medos, nossa solidão, motivo de riso, aliviando-nos, mesmo que por um
momento, da dolorosa realidade intolerante e violenta de nosso dia a dia. Não quero com
isso, idealizar este arquétipo de nossos guetos, mas ressaltar os aspectos
positivos que animam e nos vivificam, devolvendo a nós a paixão pela vida. No
caso específico de nossa amiga Drag Tchaka, cuja performance marcou esses últimos
tempos nos diversos atos contra Marco Feliciano, não se trata apenas de uma
performance teatral - ainda que fosse - mas faz desta arte um uso político para
que direitos sejam garantidos, inclusive o direito de existir a Igreja
Contemporânea.
A segunda coisa refere-se a esse uso
indiscriminado da palavra inclusiva por essa comunidade e algumas outras que
compactuam de uma visão limitada da fé cristã. A inclusividade dessas igrejas é
tal qual a das tradicionais: servem apenas para caber eles e aqueles por quem
eles tem interesse. A teologia
inclusiva originou-se em 1968, quando o Reverendo Troy Perry, cansado do
moralismo hipócrita de sua comunidade cristã de origem, resolveu assumir sua
homossexualidade e, juntamente com outras pessoas, fundou em Los Angeles a
primeira igreja Metropolitan Community
Church. De lá para cá, inúmeras comunidades, em diferentes continentes
surgiram para que pessoas como Tchaka pudessem exercer o seu direito à fé sem
sofrer qualquer tipo de discriminação. Diga-se de passagem que essas
personagens performáticas, em muitas dessas comunidades, ocupam, inclusive,
lugares de destaques em seus eventos festivos e cultos. Não temos medo do
diferente, pelo contrário, para as Igrejas da Comunidade Metropolitana é na
diferença que Deus se manifesta. Em São Paulo, temos a Igreja da Comunidade
Metropolitana, da qual faço parte, localizada na Rua Sebastião Pereira, 231, Santa
Cecília, próximo ao metrô Santa Cecília. Qualquer pessoa pode ir em qualquer
culto de domingo e verá que o momento de aviso e comunicação das atividades do
culto é feito pela nossa querida drag queen Valdirene.com. Nossa querida irmã
Valdirene não macula a imagem da ICM de São Paulo, pelo contrário, ela nos
enriquece. Quanta honra teríamos, se tivéssemos um coral de drag queen para
enriquecer nossos ritos litúrgicos. A questão é: a quem interessa esse medo
higienista da igreja Contemporânea?
Falo, não como membro da ICM, nem
como porta voz da comunidade, mas como militante indignado por ver que pessoas
por quem luto cotidianamente, no afã de ser aceito por aqueles que excluem,
operam a mesma lógica da exclusão. Iludidos com esse podre sistema capitalista,
esses que, outrora julgados pelo moralismo burguês hipócrita desse cristianismo
comercial, uma vez libertos querem operar a mesma lógica, recosturando o véu
que Jesus rasgou na cruz. Em outras palavras, eles agem como escravos
alforriados que, uma vez livres, compram outros escravos para se sentirem
senhores.
É o engano do oprimido que vê na
máquina da opressão o único meio de ganhar a sua liberdade. Por isso, precisam ser
desmascarados. O cristianismo que eles divulgam é o mesmo cristianismo que
opera a máquina estatal contra os direitos da população LGBT. É o cristianismo
no qual nem eles mesmo cabem, mas como ainda não percebem os grilhões que os
aprisionam e os puxam para baixo, repetem a mesma dança do fanatismo repudiado
por Cristo no tempo do Império Romano. Os Sacerdotes e Fariseus respondiam à
opressão que o povo judeu sofria com o poder do Império Romano da pior forma
possível: na tentativa de buscar legitimidade aos olhos do Imperador, condenavam
e excluíam todas as pessoas que supunham não ser aceitas pelos cidadãos romanos,
quando, na realidade, o povo romano desprezava qualquer um que não fosse da
elite romana. Ilusão do Oprimido contra o qual Cristo combateu: achar que se
tomar um banho, fazer o cabelo, a unha, comprar roupa de marca a largas
prestações e frequentar os mesmos ambientes que seus opressores, garantirá a
sua liberdade individual e, ao fazer isso, o faz eliminando, excluindo,
apagando, aniquilando qualquer um que lembre quem de fato eles são.
Não, o evangelho de Cristo não é
isso: o evangelho de Cristo dá prioridade aos marginalizados. O evangelho de
Cristo inverte a lógica hierárquica, implodindo-a completamente. O evangelho de
Cristo é sintetizado poeticamente por Rosa Luxemburgo quando disse que lutamos
por uma mundo onde sejamos socialmente iguais, humanamente diferentes e
totalmente livres. A Igreja de fato inclusiva é a Igreja que luta pelos
Direitos Humanos e que entende que não seremos livres enquanto uma pessoa
permanecer escrava. O que não for isso, não passa de proselitismo religioso que
faz da fé comércio para sua própria sobrevivência, igualando-se a Marcos
Pereira, Silas Malafaia e Marco Feliciano.
Por fim, para todas as Drag Queens
que quiserem celebrar a sua fé em uma comunidade Cristã sem se sentirem
discriminadas por ninguém, dou a dica: coloquem a peruca mais fechativa, o
salto maior que tiver, a roupa mais colorida, seus maiores cílios, a melhor
maquiagem e procurem uma das Igrejas da Comunidade Metropolitana, pois
certamente, fará da vida das pessoas que lá encontrarem uma vida mais abençoada
e feliz.
Drag Tchaka, minha amiga, a Igreja
da Comunidade Metropolitana de São Paulo está com as portas abertas para te
receber, pois temos certeza de que você já é benção em nossas vidas.
Geente, matéria babadeira! Aquende e arrase sempre!
ResponderExcluirObrigado, Dário! Muito obrigado pelo texto, pelo esclarecimento e por deixar que todos os que aqui lerão seu texto saibam o que é, de fato, uma Igreja Inclusiva!
ResponderExcluirMe sinto tão feliz em ler palavras tão doces e encorajadoras .
ResponderExcluirSou assim metade curiosa e outra metade quero descobrir.
Jesus é sem dúvida nenhuma o Melhor de tudo em minha vida.
Homens podem tentar me travar com suas limitações, suas doutrinas e fardos.
O Cristo que acredito é livre, sapeca, do bem, doido varrido, alegre, corajoso, festivo, justo, manso e completamente apaixonado por mim exatamente assim como sou.
Igreja da Comunidade Metropolitana de São Paulo na pessoa do sábio Dario Neto e claro do Reverendo Cristiano e todos os irmãos e irmãs que me mandaram texto lindos em solidariedade de coração obrigada.
Me coloca nas orações de vcs, preciso muito pois tenho uma carga pesada em levar alegria à esse mundo chato, sem cor e hipócrita.
Hoje me sinto melhor em saber que não estou sozinha, Jesus, meu maridão Carlos Alberto, vcs meus amigos pronto a felicidade está completa.
Muito obrigada.
Tchaka Drag Queen
Valder Bastos
Criador e criatura
Chegar a ser inacreditável que algo desse tipo ainda aconteça. Quando será que essas pessoas entenderão o significado de "inclusão"...Tchaka é um exemplo de pessoa e de engajamento político...
ResponderExcluirParabéns Dário pelo excelente texto e pelo exemplo do que significa amor em Cristo, coisas que essas igrejolas precisam aprender...
Ótimo texto Dário ;) Bom para refletirmos o exercício do poder em todos e em todas relações. Abraço
ResponderExcluirEU DRAG VALDIRENE.COM AMO A TODOS E TODAS SEM DISTINÇÃO. UM ABRAÇO.. FAZEMOS A DIFERENÇA.
ResponderExcluirADORO OS TEXTOS DO MESTRE DÁRIO NETO.. UMA PESSOA DEDICADA A MILITÂNCIA GLBT.. AQUI QUEM FALOU DRAG VALDIRENE.COM . MEMBRA DA IGREJA DA COMUNIDADE METROPOLITANA DE SÃO PAULO. BOM DIA BRASIL.
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